Porque Sofremos? Resumo e análise do livro do Prof Huberto Rohden
- Júnior Figueiredo
- 30 de jun. de 2023
- 9 min de leitura

PORQUE SOFREMOS?
A questão não é "não sofrer", mas sim saber sofrer. O sofrimento em si é um estado tão natural quando a alegria ou o gozo. Ele está à serviço da integridade e evolução do corpo: não há evolução sem resistência ou sofrimento. Se um ferimento não causasse dor, nenhum organismo existiria sem lesões corporais.
Entretanto, há também um sofrimento que é mais doentio que sadio, o qual trataremos nesse texto. O homem não sofre apenas para promover sua evolução física e espiritual, sofre também, e sobretudo, porque nele existe algo que não deveria existir: a ilusão tradicional que o identifica com seu ego periférico e não com o seu Eu divino central.
A pergunta do título: "Porque sofremos?" é respondida nesse texto sob a ótica do Professor Huberto Rohden no sentido da não identificação do homem com a sua própria natureza divina. Essa e outras questões são abordadas pelo autor no seu livro, com mesmo título, publicado pela editora Martin Claret em 1976. Esse texto consiste num resumo analítico da obra de Rohden.
OBJETIVOS DA VIDA X RAZÃO DE SER DA VIDA
Sofremos porque focamos nos objetivos da vida, que são todas as coisas do nosso ego periférico, como família, propriedade, profissão, relações sociais, amizades, etc. São circunstâncias fora do nosso centro, sobre as quais não temos domínio direto, e que, por isto, podem falhar - e quando isso acontece, lá está o nosso sofrimento.
Quem vive 24 horas por dia, 365 dias por ano, durante 20, 50, 80 anos, exclusivamente para os objetivos da vida, está em vésperas permanentes de sofrimentos. Quando alguns desses ídolos da sua vida lhe faltarem - adeus, alegria! E ninguém pode garantir que isto não aconteça, mesmo sem culpa nossa.
As circunstâncias da natureza ou da sociedade nos podem roubar inesperadamente esses objetos idolatrados, inclusive a família e amizades. Por isto, dizia Diógenes, o filósofo cínico de Sinope, que a verdadeira felicidade consistia em nada ter que o mundo nos possa tirar, nem nada desejar que o mundo nos possa dar.
Em resumo, nunca deveríamos fazer depender a nossa felicidade de algo que não dependa de nós, entretanto, a imensa maioria só se interessa somente pelos objetivos da vida, e esta é a causa de uma vida de sofrimento.
Se por um lado, os objetivos da vida são todas aquelas coisas que corremos atrás no dia a dia e que na maioria das vezes nos são vendidas como felicidade: dinheiro, poder, status e fama; a razão de ser da vida é tudo aquilo que leva o homem a encontrar o Deus em si e nos outros.
O centro de todo homem é o seu Eu espiritual, a sua alma, o seu Deus interno. Feliz é todo homem que está em harmonia com a consciência Cósmica, com a alma do Universo, com Deus.
Quem confunde o seu ego periférico com o seu eu central não aguenta sofrimento, já aquele que assume uma atitude positiva em face do sofrimento, servindo-se dele para sua purificação e maturação espiritual, o sofrimento, embora doloroso, conduz à felicidade. Isso porque o sofrimento atinge apenas o nosso ego humano e jamais o nosso eu divino.
Dessa maneira, quem confunde os objetivos da vida - fortuna, prazeres, divertimento - com a razão-de-ser de sua existência (que deveria ser autoconhecimento e autorrealização) não consegue encontrar conforto na hora do sofrimento. Os nossos males não terão fim enquanto não nos libertarmos do poder do príncipe desse mundo, a que a humanidade se entregou inicialmente, e da qual deve se libertar finalmente.
O sofrimento do sofredor comum é, na sua perspectiva, necessariamente absurdo, paradoxal, antivital, antiexistencial, e é capaz de levar o sofredor à revolta, à frustração, ao suicídio, ou ao inferno em plena vida. Já o sofredor espiritualizado sabe que não é seu eu divino, mas apenas o seu ego humano que sofre, então pode ele sofrer serenamente, e mesmo sabiamente - talvez até jubilosamente, por saber que ele pode construir a "única coisa nunca lhe será tirada". A alternativa da vida humana não é, portanto, sofrer por sofrer - a grande questão é saber sofrer.
Saber que o sofrimento pode ser o caminho para a felicidade faz sofrer com serenidade e amor. Não adianta aconselhar o sofredor que ele sofra com paciência - o que resolve seus problemas não são os bons conselhos, de que está calçado os caminhos do inferno - o que resolve é que o sofredor tenha a visão nítida do seu verdadeiro Eu.
O que todos podem e deveriam fazer é descobrir algo além dos objetivos da vida e estabelecerem certo equilíbrio entre essas duas coisas. Toda a sabedoria do homem sensato consiste em saber harmonizar corretamente esses dois polos da vida humana. Se o homem estabelecesse um equilíbrio razoável entre o seu ser e os seus teres, entre o que ele é e o que ele tem ou deseja ter, reduziria grandemente a chance dos seus sofrimentos.
Mas a imensa maioria da humanidade vive exclusivamente para os objetivos da vida, esquecendo-se totalmente da razão-de-ser da sua existência. Pode ser que muitos sejam ego-realizados, objeto-realizados, coisificados, 90%, talvez 100% - mas não estão auto-realizados. A única coisa necessária da nossa existência somos nós mesmos, é a nossa auto-realização.
Todo homem que trata seriamente de realizar a razão-de-ser da sua existência, pode possuir serenamente os objetivos necessários a uma vida decentemente humana.
QUEM SÃO OS GOZADORES INFELIZES?
São todos aqueles que procuram a felicidade no gozo, mas quanto mais desfrutam das coisas, menos felizes são. E o gozo, levado ao ponto mais alto, acaba em desgosto. A fome quando super saturada, acaba em fastio; o prazer quando aproveitado 100% acaba em infelicidade em pleno gozo.
Todo desejo, quando realizado, cria novos desejos - e o profano não sai desse ciclo vicioso de desejo e gozo, de gozos e desejo. Por fim, a abundância de deleites, gera a impossibilidade de aproveitamentos ulteriores, o que culmina na incapacidade de gozar no seu próprio gozo.
Por isso, pode o ser humano ser profundamente infeliz. No meio das suas "alegrias" com que tenta camuflar a sua infelicidade; e seus acessórios - álcool, drogas, luxurias, confortismos, jogos, etc. - anestesiam temporariamente a superfície do seu ego periférico. Ao passo que o seu Eu central, que anseia por uma felicidade profunda e permanente, continua a ser infeliz.
QUEM SÃO OS SOFREDORES FELIZES ?
Encontramos no Evangelho oito repetições sucessivas de "bem aventurados". Quem são esses oito grupos de felizardos celebrados por Jesus? São precisamente as pessoas que o mundo profano considera infelizes.
Felizes - os pobres...
Felizes - os famintos...
Felizes - os injustiçados...
Felizes - os mansos...
Felizes - os misericordiosos
Felizes - os puros...
Felizes - os perseguidos, os caluniados, os difamados...
A razão da felicidade desses, que aos olhos do mundo são infelizes, é esta: "Porque deles é o Reino dos Céus... Porque eles são filhos de Deus... Porque eles serão recompensados."
Enquanto os profanos chamam felizes os que possuem muito dinheiro, os que gozam muitos prazeres, os que são muito glorificados ou os que tem muito divertimento; Jesus chama de felizes os que estão na linha reta rumo ao seu destino, rumo à sua realização, rumo ao Reino dos Céus.
O homem espiritualmente analfabeto se identifica invariavelmente com o seu ego material, mental ou emocional; e, se neste setor, tudo lhe corre à medida dos seus desejos, quando ele goza tudo o que pode gozar, então é considerado feliz.
É feliz porque ganhou muito dinheiro.
É feliz porque fez um ótimo casamento.
É feliz porque toda a família está com saúde.
É feliz porque comprou um carro novo.
É feliz porque tem uma profissão lucrativa e garantida.
Mas se algum desses itens falhar, muda-se de perspectiva e ele é considerado infeliz.
Enquanto o homem comum apenas "tem" a felicidade, ele não é realmente feliz, porque é apenas "senhor dos teres", que lhe podem ser tirados a qualquer momento.
Já o verdadeiramente espiritualizado não considera felicidade nenhum gozo, nem considera infelicidade nenhum sofrimento. Felicidade ou infelicidade é, para ele, somente aquilo que ele é, e não a aquilo que ele tem. A sua felicidade ou infelicidade está no âmago da sua substância central, do seu Eu, da sua consciência, da sua alma.
O homem que resolveu manter invariavelmente esta harmonia de Ser e Viver, é profundamente feliz, quer sofra, quer goze. Mas quem não mantém essa harmonia é infeliz, quer goze, quer sofra.
Isso quer dizer que gozo e sofrimento são coisas que nos acontecem - felicidade ou infelicidade é aquilo que somos. Por isso, o maior dos mestres, Jesus, chamou de bem-aventurados e felizes os sofredores, contanto que realizem em si o reino dos céus. A razão porque o Mestre chama felizes esses sofredores não é porque sofrem, mas porque descobriram o tesouro oculto, a pérola preciosa, a luz sob o velador.
E, por mais estranho que pareça, o sofrimento bem compreendido ajuda o homem a sintonizar a sua consciência individual com a consciência universal.
COMO TRANSFORMAR O SOFRIMENTO EM ALGO BOM?
É sabedoria evitar o que é evitável e tolerar calmamente o que é inevitável. "Senhor, se possível passa de mim esse cálice, mas que seja feita a tua vontade e não a minha", disse Jesus diante de suas dores. O sofrimento em si não pode perder nem redimir o homem - o homem é que se perde ou que se redime pela atitude que assumir em face do sofrimento.
Ninguém pode gostar do sofrimento por causa do sofrimento - que seria masoquismo - mas pode aceitar o sofrimento como um meio ou um caminho que conduz a uma vida superior, que os não-sofredores ignoram. Saber que o sofrimento pode ser o caminho para a felicidade, nos faz sofrer com serenidade e amor.
O homem que passou por um sofrimento compreendido, e aceitou, entra numa atitude de serenidade e leveza, que faz lembrar o adejar silencioso da borboleta, que apesar da transmutação, continua a manter o contato com a terra.
O que mais importa não é saber por que sofro, mas para quê. A causa do meu sofrimento talvez seja misteriosa, mas a finalidade do meu sofrimento é clara. Sofro para evolver, ou para me libertar.
Nenhum objeto e nenhum fato é bom nem mau, nem positivo nem negativo em si mesmo, porque são coisas neutras, incolores, inconscientes. O Homem é que pode servir-se desses objetos neutros para o seu ser-bom, ou para o seu ser-mau.
Quando o sofrimento serve livremente a um grande amor ou ideal, perde seu mais acervo amargor; realmente amargo é somente o sofrimento quando sofrido estupidamente, à-toa, sem se saber o porquê, sem nenhuma finalidade superior. Todo sofrimento, físico ou moral, realizado à luz de uma grande missão, de um ideal sublime é uma "doce amargura", é um "jugo suave" e um "peso leve".
Foi nesse sentido que Jesus proclamou felizes os que sofreram perseguição por causa da verdade, precisamente porque deles é o Reino dos Céus, que está no interior de todo homem.
QUAIS OS REMÉDIOS OU A VACINA CONTRA O SOFRIMENTO?
O remédio contra o sofrimento deve começar antes de qualquer sofrimento, assim como uma vacina deve ser aplicada em plena saúde e não num estado patológico.
Nesse sentido, uma vez Napoleão Bonaparte foi interrogado quando deveria começar a educação de uma criança, respondeu: "pelo menos 20 anos antes dela nascer".
Por isso, querer consolar alguém em pleno sofrimento, nem sempre é possível, pois a profilaxia contra a dor não pode ser dada no momento da tragédia, mas em plena bonança e saúde: o remédio não consiste num ato transitório, mas numa atitude permanente do ser humano. Se o homem não assumir uma atitude de verdade e compreensão sobre si mesmo e harmonizar a sua vida com essa consciência, não encontrará consolo na hora do sofrimento.
Entretanto, é possível curar o sofrimento pelo poder do espírito do próprio sofredor. Nomes como Victor Frankl, com sua logoterapia e Joel S. Goldmith, com a "Arte de curar pelo espírito" são referências no assunto.
A quintessência do processo terapêutico espiritual consiste, segundo Goldsmith, numa concentração máxima da consciência na realidade da presença de Deus no homem. Não se trata de um pensamento ou mentalismo; não está em pensar em Deus; nem tampouco é uma simples sugestão da presença divina no homem. Trata-se da total identificação com o espírito de Deus no homem.
"Eu e pai somos um, Pai está em mim e eu estou no Pai". A conscientização dessa frase dita por Jesus, é o maior dos remédios contra todos os males, pois reintegraliza o homem a Deus e traz realização do ser humano ao seu estado original, sem dores e sofrimentos.
Quando o homem conscientiza a presença de Deus, entra na luz da Realidade única: o Eu, na sua íntima essência, é idêntico à Divindade, que permeia toda a sua existência. O que segue dessa essencial identidade com a Divindade é: "as obras que eu faço não sou eu (a existência humana) que as faz, mas é o Pai (a essência divina) que faz as obras".
A prática diária da meditação pode servir de prelúdio para essa intensa conscientização da presença de Deus e da verdade redentora que "Eu e o Pai somos um", que cura todos os males.
A nossa morte compulsória é absolutamente certa, mas ela não resolve o problema central da nossa vida. O que resolve é a arte de morrer voluntariamente, isto é, de se esquecer temporariamente de toda existência do corpo e conscientizar unicamente a essência da alma: alcançada através da meditação. O egocídio do ego existencial liberta o homem, inclusive, da escravidão da doença, da dor e do sofrimento.
Quando o homem vive conscientemente o fato da presença do Infinito no Finito - " o Pai está em mim... E eu estou no Pai" - então a Fonte Infinita começa a fluir através dos seus canais finitos, mantendo-os plenos de todos os bens da vida.
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